O que não são teorias? Um olhar sobre o cantinflerismo académico pós-moderno
“A maior parte das ideias fundamentais da ciência são essencialmente simples e, regra geral, podem ser expressas numa linguagem compreensível para todos”.
Albert Einstein
Por Dra. Dorys Alleyne Na sequência do artigo partilhado neste blogue da última vez, partilho convosco, desta vez, o que o investigador José Padrón-Guillén (2006) propõe como “cantinflerismo académico“, uma espécie de expressão idiomática que emerge na pós-modernidade, especialmente na esfera académica, um truque que consiste em juntar palavras chocantes e rebuscadas sem qualquer significado, que traduzem uma tautologia ou uma trivialidade, sempre com o objetivo de conseguir a admiração de estudantes e académicos ingénuos. Evidentemente, o termo “cantinflerismo” vem do famoso ator cómico Cantinflas, que segundo algumas versões constrói o seu nome artístico a partir da expressão “cuanto inflas, cuanto logras” (o que inflas, quanto logras). O cantinflerismo, como truque, é orientado para fazer com que algo pareça algo que não é e é normalmente utilizado para Ultrapassar situações incómodas Mostrar que quem o usa sabe muito Nesta ordem de ideias, Padrón indica que o termo se refere a inflacionar a linguagem e expressa que este cantinflerismo se caracteriza por uma total ausência de significados e ideias, onde prevalece um discurso cheio de palavras vazias. Embora, segundo Padrón, possamos encontrar cantinflerismos na vida quotidiana, na publicidade, na política, a sua utilização no contexto académico tem vindo a aumentar, o que é alarmante, uma vez que os estudantes e os leitores são ingenuamente apanhados naquilo a que Padrón (2006) chama uma burla cognitiva intencionalmente dirigida ao interlocutor para o chocar, impressionar e saturar com palavras sem significado. Infelizmente, Padrón considera que o agravante desta situação é que o leitor ou ouvinte fica com a ideia errada de que estes autores são eruditos e não podem ser contrariados e que é praticamente proibido dizer: “Não compreendo”; infelizmente, este tipo de académicos consegue aumentar o seu próprio prestígio como resultado disto. É importante salientar que estes autores escrevem trivialidades que, quando escritas numa linguagem complicada, se camuflam de pensamento profundo. Neste caso, há um exemplo claro de um autor que Padrón (2006) considera ter ganho prestígio devido à forma complicada como escreve, referindo-se à obra de Morín, que mostra um compêndio de trivialidades ornamentadas, ditas com palavras grandes disfarçadas de complexidade.
Evidentemente, o cantinflerismo de substância lida com trivialidades, alguns autores que o utilizam tendem a inverter os termos das frases para conseguir maior impacto sobre quem as lê, alguns exemplos são: “O homem é esse animal louco cuja loucura inventou a razão”. (E. Morín) “Não concordámos porque encontrámos a verdade; encontrámos a verdade quando concordámos” (G. Vattimo). “Um homem é o que ele faz com o que fizeram dele” (Sartre). “O homem é aquele ser cujo ser é o não-ser” (S. de Beauvoir). Como se pode ver nos exemplos acima, os autores expressam trivialidades que, quando ditas de forma ornamentada, vestidas com grandes palavras, parecem revestidas de grande profundidade académica. Da mesma forma, para Padrón (2006), Heidegger é um dos pais do cantinflerismo de todos os tempos, destacando-se a sua célebre frase: “A condição ôntica do ser humano é ontológica”. Para além do exposto, Padrón preocupa-se com os danos que estes cantinflerismos causam aos estudantes e à academia, uma vez que, ao fazer investigação com base em cantinflerismos, não se produzirá conhecimento independente e soberano, mas sim um mar de palavras com um nível mínimo de profundidade. Para além do referido, Padrón afirma que existem outros autores que têm vindo a desmascarar o cantinflérico académico, como Popper (1984), que analisou o discurso de Habermas (um cantinflérico na altura) e que, através do quadro seguinte, demonstra o fundo trivial dos seus postulados: Citações de Habermas Tradução de Popper A totalidade não ganha vida por si mesma, para além dos elementos que reúne e de que é composta. A sociedade é constituída por ligações sociais Produz-se e reproduz-se através dos seus elementos individuais. Estas diferentes ligações produzem, de alguma forma, a sociedade. Já não é possível separar esta totalidade da vida da cooperação e do antagonismo dos seus elementos. Entre estas ligações estão a cooperação e o antagonismo. E uma vez que (como já foi referido), a sociedade é constituída por estas ligações, não pode ser separada delas. Nenhum dos seus elementos pode ser concebido simplesmente em termos das suas funções sem uma consideração do todo, cuja essência é inerente ao movimento de cada uma das entidades individuais. O inverso também é verdadeiro; nenhuma das ligações pode ser concebida sem as outras. O sistema e a entidade são recíprocos e só podem ser concebidos na sua reciprocidade. (repetição do que foi dito acima)
À luz do exposto, Padrón salienta que a análise de Popper sobre Habermas mostra que o uso de palavras rebuscadas por parte deste último é cada vez mais desproporcional. Outro autor destacado por Padrón é Alan Sokal, que, na sua intenção de desmascarar os cantinfléricos académicos, produziu um artigo baseado na inflacção da linguagem, com recurso a muitos truques e jogos de palavras, que foi aprovado e publicado por uma revista de investigação social, o que levou Sokal e Brichmont a produzirem um livro cujo tema central é “Imposturas Intelectuais”. Para Sokal, os cantinfléricos são impostores, pessoas que, sendo ignorantes, se fazem passar por grandes eruditos para ganhar seguidores, prestígio e sobretudo fama. Este autor apresenta alguns traços típicos de um impostor intelectual ou cantinflérico: Falar prolixamente sobre teorias científicas das quais tem apenas uma vaga ideia. A sua tática consiste em utilizar terminologia científica ou pseudo-científica sem se preocupar com o seu significado. Incorporar noções das ciências naturais nas ciências humanas ou sociais sem qualquer justificação empírica. Exibir uma erudição exagerada com uma avalanche de termos técnicos num contexto em que são absolutamente incongruentes. O objetivo, segundo Sokal, é impressionar e intimidar o leitor não científico. Manipulando frases sem sentido, é uma espécie de intoxicação verbal, combinada com um desprezo flagrante pelo verdadeiro significado das palavras. Além disso, Padrón (2006) argumenta que Popper levanta uma grande questão sobre o papel dos neo-dialécticos como Adorno, Marcuse, Habermas e Horkheimer, autores da famosa Escola de Frankfurt, que, na sua opinião, não aprenderam a resolver problemas e a aproximar-se da verdade, mas contribuíram para afogar outros seres humanos num mar de palavras. Por outro lado, para Padrón, não há nada mais complicado do que confrontar um cantinflérico, porque quando confrontado com uma posição argumentada e lógica, tende a apontar a pessoa que o confronta academicamente como alguém com um pensamento linear e, em contraste com o seu pensamento complexo, irá sempre induzir ou sugerir que o seu tipo de pensamento “complexo” seja adotado para que o possa compreender. É importante salientar que Padrón considera que o chamado pensamento “complexo” não é mais do que um tipo de pensamento desordenado que não fornece definições, não faz classificações, não raciocina e não argumenta, e isso faz parte do gancho utilizado pelos académicos rabugentos para se posicionarem como grandes pensadores.
Considerações finais Se a secção anterior evidenciou claramente que todo o sujeito cognitivo é capaz de criar teoria e que, enquanto seres humanos, somos dotados do “germe” para construir conhecimento, como bem salienta Padrón, é evidente que devemos ter cuidado com a forma como utilizamos este dom. Evidentemente que, dado o grande potencial criativo do ser humano, tudo é possível, no entanto, para além dos estilos de pensamento que cada um possui, é importante não nos deixarmos levar por aspirações que podem desvirtuar o bom andamento da construção do conhecimento, sobretudo no momento da sua socialização, Poderíamos, enquanto académicos, muito levianamente, gerar réplicas vazias, vãs e irrelevantes de ideias fátuas, baseadas apenas na possibilidade de demonstrar grande sabedoria, seja por uma questão de reconhecimento público ou mesmo para nos posicionarmos como ícones de uma cultura ou simplesmente por um interesse lucrativo. No âmbito académico, é importante questionar cada fonte, cada autor, escrutinar muito bem o seu conteúdo e examinar os seus postulados antes da possibilidade de os assumir como parte fundamental da nossa investigação. Finalmente, seguindo Padrón, nenhuma teoria é definitiva e deve estar sempre sujeita a revisão e avaliação, e o cantinflerismo constitui uma transgressão e um obstáculo à visualização das oportunidades reais de construção de conhecimento válido para uma sociedade que necessita de respostas e soluções para os problemas e conflitos que a afectam profundamente. eferências Padrón, J (2006) Notas sobre o cantinflerismo Académico em https://josepadroninfo.ipage.com/cantinflerismoacademico CAP 1: Cantinflerismos Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=WvzyRsMVrFs Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=EDC7HBmhUxg
Sobre la autora: Dra. Dorys Alleyne Docente en Universidad ISEP. Investigadora, con formación inicial en Educación y Psicología. Magister Scientiarum en Psicología, Mención Psicología del Desarrollo Humano, especialista en Asesoramiento y Consulta Familiar Doctora Latinoamericana en Educación. Diplomada en el área de coaching ontológico, siendo lifecoach activo, coach educativo con énfasis en neurociencia, psicología positiva y PNL. Visita sus redes oficiales: